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LITERATURA ACADÊMICA SOBRE EFEITOS DA CONCENTRAÇÃO NO MERCADO AÉREO

Eduardo Dornelas, José Matheus, Rafael Oliveira, Jéssica Maia e Maria Paula Heck


No Brasil, as pessoas podem realizar viagens por via hidroviária (transporte especialmente importante no Norte do país), rodoviária e aeroviária. Há também algumas poucas e escassas linhas ferroviárias de passageiro, mas com participação irrelevante ante as demais alternativas. 

A demanda por esses modos e o grau de substitutibilidade entre eles depende, evidentemente, dos preços e da disponibilidade de rotas. Na Europa, por exemplo, Reggiani, Nijkamp e Cento (2009) mostram que há forte competição entre o modo aeroviário e o ferroviário. Lá a renda é mais elevada, há mais alternativas de rotas com preços mais acessíveis e as distâncias permitem substituição entre os modais. No Brasil, para além das distâncias continentais e escassez de infraestrutura, a renda da população desempenha papel importante na competição entre os modos rodoviário e aeroviário.  


Dentre esses modos, o mais caro costuma ser o aeroviário. Além dos custos de manutenção e leasing de aeronaves serem muito dolarizados, o querosene – com seu preço ligado ao preço do barril de petróleo internacional – também possui grande influência no preço das passagens. Por ter uma operação cara e altos custos fixos, é esperado que o mercado apresente uma estrutura mais concentrada. Como é possível verificar no mercado brasileiro, dados da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) indicam que três empresas – Gol, Latam e Azul – dominam 99% do mercado, sendo que as demais empresas, de menor porte, em geral operam em rotas regionais e de menor demanda. 


A grande concentração do setor, derivada de suas características estruturais, tem sido objeto de análise minuciosa por parte das autoridades antitruste em todo o mundo quando da avaliação de fusões e aquisições de companhias aéreas. Tal fator torna o mercado suscetível a aumentos de preço de tarifa ou controle após a saída de uma companhia aérea.  

O tema também tem sido discutido na literatura acadêmica. Oliveira (2008), por exemplo, ao analisar a entrada da Gol no mercado aéreo brasileiro em 2001, evidencia fatores importes que determinam a lucratividade das empresas aéreas. Além dos custos operacionais, o tamanho do mercado de uma rota e a presença de mercado de um rival na operação dessa rota são fatores que impactam a lucratividade do setor.  


A intuição dessa conclusão é direta: se há menos concorrentes para uma rota específica, ou se esses concorrentes não possuem tanta força de mercado, então tende a haver mais espaço para as empresas cobrarem mais dos passageiros. Quando há muitos concorrentes, por outro lado, além da disputa por preços, abre-se espaço para a disputa por qualidade (serviços melhores – por exemplo, conceder mais milhas para determinada rota) ou por frequência de voo. 


Casos claros podem ser vistos durante grandes eventos nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo. Esses municípios possuem grande capilaridade aérea com outras partes do país, recebem voos de quase todas as companhias em operação no Brasil e em grande frequência devido à alta demanda. Quando há grandes eventos, dada a maior concorrência nesses mercados, não é incomum que as principais empresas aéreas ofertem descontos maiores, maiores frequências de voo ou até bônus em milhas para os passageiros que realizarem determinadas rotas. 


De fato, a concorrência, seja ela efetiva ou potencial, parecer ser bastante relevante para o setor. Yan, Fu, Oum e Wang (2016), por exemplo, indicam que frequentemente há aumento das tarifas quando duas empresas concorrentes em uma mesma rota se fundem. Outros trabalhos, como Kim, Singal (1993) e Morrison (1996) também encontram efeitos anticoncorrenciais atrelados às fusões e aquisições ocorridas nos anos 1990. 


Le (2016) analisa a fusão entre as empresas americanas Southwest e AirTran e identifica pontos pró e anticoncorrenciais – rotas em que ambas as empresas operavam passaram a apresentar maiores tarifas após a fusão, enquanto reduções de tarifas puderam ser verificadas em rotas não exploradas pelas empresas fundidas e que começaram a serem operadas após a fusão. Nesse ponto, MA et al (2020) também identificam a eliminação de concorrentes potenciais como indutores de maiores tarifas no setor.  


Assim como parte da literatura indica que a redução da concorrência tende a induzir efeitos anticompetitivos, o crescimento da concorrência tende a induzir efeitos positivos para o consumidor. Gil e Kim (2016)encontram evidências de que a entrada de companhias low cost no mercado estadunidense impulsionou o aumento da qualidade dos serviços das companhias já existentes, seja por redução nos atrasos e cancelamentos seja pela maior oferta de voos e assentos. 


Desde o início do século, o mercado aéreo brasileiro foi palco de duas grandes fusões: entre a Gol e a Webjet em 2012 e entre a Azul e a Trip em 2013. Lima (2020) identifica aumento de preços de passagens aéreas após a fusão entre Gol e Webjet, especialmente em rotas concentradas, mas não encontra tal efeito de forma significante na segunda fusão. De Castro, Salgado e Silvo e Marinho (2019), por sua vez, encontram que os ganhos de eficiência para a fusão Gol-Webjet foram pequenos e provavelmente poderiam ser obtidos individualmente pelas empresas sem a concentração. 


O órgão concorrencial brasileiro – o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) – emitiu estudo recente sobre os efeitos pós-concentração da fusão Gol-Webjet (FRANKE e RESENDE, 2023). No estudo, encontram-se evidências de elevação da tarifa média da Gol em rotas em que poderia haver potencial entrada da Webjet, efeito semelhante ao identificado em Le (2016). Por outro lado, encontrou-se redução de tarifa pelas rivais em rotas que tinham a concorrência (efetiva ou potencial) da Gol ou da Webjet, ainda que tais resultados devam ser considerados com ressalvas devido à limitações estatísticas indicadas pelos autores. 


Em suma, a concorrência no setor de transporte aéreo, assim como em outros setores, desempenha um papel crucial na determinação dos preços e na qualidade dos serviços oferecidos aos passageiros. A análise de fusões e aquisições mostra que a redução da concorrência tende a levar a efeitos anticompetitivos, enquanto o crescimento da concorrência pode impulsionar a qualidade e a oferta de serviços.  


No caso do mercado aéreo brasileiro, as fusões entre as principais companhias aéreas tiveram diferentes impactos nos preços das passagens, evidenciando a importância da regulação e do monitoramento por parte das autoridades antitruste. Está claro que a dinâmica competitiva do setor aéreo é um tema de grande relevância para os consumidores e para a economia como um todo, e requer atenção contínua das autoridades antitruste e dos demais agentes envolvidos. 

 

*As opiniões emitidas neste blog são de exclusiva e inteira responsabilidade do(s) autor(es), não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da GO Associados. 

 

Referências 

GIL, R.; KIM, M. Does Competition Increase Quality? Evidence from the US Airline Industry. SSRN, 2016. Disponível em: Available at SSRN: https://ssrn.com/abstract=2617528 

OLIVEIRA, A. An empirical model of low-cost carrier entry. Transportation Research Part A, v.42, n.4, 2008. 

LE, H. An empirical analysis of the price and output effects of the Southwest/AirTran merger. Competition and Regulation in Network Industries, v.17, n.2-4, 2016. 

FRANKE, F.; RESENDE, G. Efeitos da concorrência potencial: O caso do ato de concentração Gol-Webjet. Documento de Trabalho nº 005/2023, Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), 2023. 

YAN, J.; FU, X.; OUM, T.; WANG, K. The effects of mergers on airline performance and social welfare. Airline Efficiency, v.5, 2016. 

REGGIANI, A.; NIJKAMP, P.; CENTO, A. Connectivity and competition in airline networks: A study of Lufthansa’s network. In: VERVEST et al. The Network Experience. Springer-Verlag Berlin Heidelberg, 2009. 

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