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Failing Firm Defence: uma defesa falha?

Por Eduardo Dornelas e José Matheus Andrade* 


Quando se trata de análise concorrencial em algum mercado, é intuitivo esperar que qualquer forma de fusão ou aquisição concentra o mercado e, consequentemente, a priori, tem potencial de gerar algum tipo de risco à concorrência. Afinal, o número de concorrentes está diminuindo. É por esse motivo que operações dessa natureza, quando suficientemente relevantes, devem passar pelo escrutínio do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que avaliará as potenciais consequências para o mercado do produto ou serviço alvo.  

Contudo, como fica a análise concorrencial do CADE nos casos em que uma das empresas envolvidas na operação já iria muito provavelmente sair do mercado devido à sua falência? 

Esse pode ser um dos argumentos utilizados pelas partes interessadas na aprovação de uma operação, comumente chamado de Failing Firm Defense ("FFD"). A lógica é simples: se há claras evidências de que a “Empresa-Alvo” da operação sairá do mercado de qualquer forma, devido à sua falência, então, com ou sem a operação, o mercado já perderia um dos concorrentes. Logo, a redução do número de players no mercado em questão, e a consequente eliminação de uma alternativa ao consumidor, não poderia ser atribuída à transação em si (AFONSO, 2021). Mais do que isso: a operação poderia manter no mercado e fortalecer os ativos e negócios daquele concorrente em situação financeira delicada. 

A discussão sobre quando e quais critérios adotar para análise de um FFD se torna especialmente relevante durante crises econômicas, em que, por conta da deterioração das finanças de grandes companhias, a fusão com outros players mais saudáveis se torna mais atrativa. Nesse sentido, de acordo com a OCDE (2009), existem três condições básicas a serem consideradas por um órgão antitruste, independente do país, para permitir uma fusão sob o argumento da FFD: (i) na ausência da fusão, a empresa em processo sairia do mercado; (ii) na ausência da fusão, os ativos da empresa em falência sairiam do mercado; (iii) não há outra forma de transação ou reorganização do mercado que seja menos anticompetitiva. 

No caso do órgão antitruste estadunidense, entendido como pioneiro na discussão com o caso "International Shoe Company Case", em 1930, são exigidas três condições bastante similares para a avaliação da FFD, descritas no Merger Guidelines de 2010 (DoJ E FTC, 2010): 

  1. a empresa em falência não deve conseguir cumprir suas obrigações em um futuro próximo; 

  2. a empresa em falência não conseguiria se recuperar judicialmente; e 

  3. a empresa em falência deve mostrar que buscou alternativas menos danosas à concorrência visando manter seus ativos em operação no mercado. 

O Merger Guidelines foi atualizado em 2023 (DoJ E FTC, 2023) e trouxe uma versão mais resumida e objetiva das referidas condições: (i) elevada probabilidade de encerramento das atividades; (ii) ausência de perspectivas viáveis de reorganização; e (iii) ausência de compradores alternativos. 

No caso do Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) considera quatro condições como sendo necessárias para a validação do argumento de FFD: 

  1. caso a operação não prospere, a firma em falência sairia do mercado ou não poderia cumprir suas obrigações financeiras; 

  2. caso a operação não prospere, os ativos da firma em falência sairiam do mercado, causando uma redução da oferta, aumento da concentração de mercado e diminuição do bem-estar econômico; 

  3. a empresa em falência deve mostrar que buscou ativamente outras alternativas de organização com menor dano à concorrência; 

  4. o CADE deve concluir que os efeitos da saída da empresa do mercado seriam piores do que os efeitos gerados pela fusão. 

Tais condições foram inspiradas nos guias dos EUA e estão descritas no Guia H (CADE, 2016), onde explicitamente se atenta para a análise extremamente cautelosa e rigorosa da entidade em relação a tais argumentos. 

López-Galdos (2016) compara as jurisdições americana e europeia sobre a análise da FFD. O trabalho conclui que os testes realizados por cada uma das agências antitruste são similares, mas, ainda que sejam possibilidades de jure, ambas as autoridades não costumam aceitar o argumento de FFD por falta de evidências suficientes.  

Cenário parecido parece acontecer com o CADE, visto que muito raramente a autoridade aceita integralmente o argumento da FFD. Em geral, sua recusa é justificada pelo fato de as empresas não terem efetivamente comprovado, principalmente, as duas últimas condições descritas acima (AFONSO, 2021). Diante do rigor dos critérios e com base na jurisprudência do CADE, verifica-se que a FDD dificilmente é suficiente para aprovar uma operação, servindo mais como uma possível evidência complementar a outros argumentos. 

Ayal e Rotem (2019) ponderam que a resistência ao argumento de FFD se deve à necessidade de se especular sobre a competitividade de um mercado em um futuro incerto. Isto é, a autoridade antitruste não consegue prever com clareza o real destino da empresa em falência caso não permita a operação. Considerando que o cenário de aprovação da operação é aquele que, com maior clareza, trará implicações concorrenciais negativas, então as autoridades acabam adotando posições mais rígidas contra aprovações. De acordo com os autores, tal posição faz com que as autoridades incorram muito mais no que chamam no campo da Estatística de "erro tipo I": rejeitar operações que deveriam ser permitidas. 

Portanto, o argumento de FFD deve ser tratado com bastante cautela, sendo considerado caso a caso. Ainda que teoricamente seja possível aplicá-lo, a experiência das autoridades antitruste ao redor do mundo e a literatura acadêmica mostram que tal argumento é, em geral, rejeitado, especialmente pela incapacidade das empresas envolvidas de efetivamente provarem que satisfazem as condições mínimas requeridas pelas autoridades.  

*As opiniões emitidas neste blog são de exclusiva e inteira responsabilidade do(s) autor(es), não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista da GO Associados.  

 

Referências: 

AFONSO, M. G. When does the failing firm defense succeed in Brazil? Levy & Salomão Advogados, 2021. Disponível em: https://www.levysalomao.com.br/publications/lsbraziloutlook/when-does-the-failing-firm-defense-succeed-in-brazil 

AYAL, A.; ROTEM, Y. The Failing Firm Defense – An equity-based approach. Journal of Competition Law & Economics, v.15, n.4, p.468-499, 2019. 

CADE. Guia de Análise de Atos de Concentração Horizontal. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), 2016. Disponível em: https://cdn.cade.gov.br/Portal/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-do-cade/guia-para-analise-de-atos-de-concentracao-horizontal.pdf 

DoJ;FTC. Horizontal Merger Guidelines. U.S. Department of Justice (DoJ) and the Federal Trade Commission (FTC), 2010. Disponível em: https://www.ftc.gov/system/files/ftc_gov/pdf/2023_merger_guidelines_final_12.18.2023.pdf 

DoJ;FTC. Merger Guidelines. U.S. Department of Justice (DoJ) and the Federal Trade Commission (FTC), 2023. Disponível em: https://www.ftc.gov/system/files/ftc_gov/pdf/2023_merger_guidelines_final_12.18.2023.pdf 

LÓPEZ-GALDOS, M. Comparing the US & the EU failling firm defense: Reflections from an economic perspective. Loyola Consumer Law Review, v.28, n.2, 2016. 

OCDE. The Failling Firm Defence. Series Roudtables on Competition Policy, nº 103. Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 2009. 

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